Rosa era de pouca inteligência.
Escutava sempre o que tinham a dizer, e com suas poucas informações ia construindo pensamentos pra quando chegasse para arrumar a casa.
Fazia faxina às terças e quintas na casa de uma senhora bonita, madame meio viúva, que se encontrava com moços estranhos.
A madame tinha várias amigas, e dentre elas, uma ruiva estranha que estava sempre a sua casa, sassaricando e atrapalhando-lhe o serviço.
Ouve as duas mulheres, que, ao trocar palavras, gritavam, isso que tanto a Rosa irritava.
Diacho de velhas que gritavam.
Rosa era humilde mas não falava alto não.
Ela era toda receptada em sua fragilidade.
'Pois não, Bela, se aquela mulher de pouca fé não andava de falâncias sobre sua pessoa por aí.. numa falsidade só.'
Subira rapidamente à cabeça de Rosa aquela reclamação aparentemente tão repleta de lógica.
Mas guardou como dever de casa. Não conseguia fazer duas coisas ao mesmo tempo.
Aquele assunto renderia na arrumação do dia, pois já cutucava a moça, que não conseguia pensar em outra coisa.
'Rosa, menina, se quebras outro vaso meu ponho-te para fora! E dessa vez, cumpro, vice? Tiro de seu salário esse'
Era por isso que a faxina não podia ser atrapalhada por devaneios.
Que raiva tinha ainda daquela madame desocupada que só sabia falar alhos alheios.
Foi terminando o serviço, caprichou em tudo e pegou suas economias de muito tempo que estava para comprar sapatos novos, rasgados que estavam.
Não, fazia parte da construção daquele dia único o pagamento de toda e qualquer dívida com aquela velha mal criada.
Seu pensamento dali em diante devera fluir somente para a irracionalidade das mulheres que conversavam naquela tarde.
Ela precisava pensar sem que interferência alguma houvesse. E, portanto, foi pagando tudo, o que assustou a patroa.
'Patroa não, faxineira que sou...Trabalhadora liberal. E esse dinheiro tenho guardado. Pegue logo senão não hei de pagar. Procurarei outra residência, não de voltarei mais a esse lugar'
Quando fechou os olhos, minutos antes de sair da casa que despertara tamanha mistura de sentimentos, Rosa imaginou fumaça
Desejava um cigarro, achava aquilo tão chique, seu pensamento pobre sairia daquela maneira um pouco mais importante.
Sentou-se na rede limpinha de sua casa - não tinha de fazer, lavava tudo.
E começou a refletir sobre aquela palavra ainda pouco estudada: falsidade.
Tão teoricamente lhe aparecia a ideia de que só aquilo construía a rápida felicidade, que faz a nós capaz de suportar a vida
nos dá ilusória perspectiva de um relacionamento não extraviado, mas viado duplamente, como numa métrica musical soante.
Aquilo que quebra todos os paradigmas e nos proporciona a necessária segurança de que precisamos em determinados momentos da vida.
Quando vem a nós a verdade, que esta má, fere à frio, estamos lá, postos a reclamar da falsidade.
Única que, há pouco, nos deu aconchego ao coração para que aguentássemos a lástima férvida da vida.
Parecia-lhe tão óbvio. Assim como que fumar houvera feito causado uma terrível doença de tosse. E rápida.
Ora, se para reclamar do que nos faz continuar deve haver sentido grande...
Assim terminava seu breve devaneio diário.
Rosa pôs-se a jogar fora aquela caixa de cigarros mas hesitou.
Prudente que era, guardou em seu armário, custara-lhe dinheiro.
Tentaria elevar-se outros dias com aquela sórdida companhia da fumaça rica...